HISTORIA DE DUNGA  

 

Amadeu Martins, Mestre Dunga, é natural de Feira de Santana, Estado da Bahia. Mestre Dunga foi Cabo do Exército Brasileiro, no 11º Batalhão de Infantaria Montanha, em São João Del Rei. No final da década de 60, por influência de Antônio Maria Cavalieri, Mestre Toninho Cavalieri, passa à residir em Belo Horizonte. Nessa época, a Capoeira era praticada por um grupo ligado à zona sul e Mestre Dunga se dedica na  divulgação da Capoeiragem nas ruas e vilas da capital mineira.  No "Fundo de Quintal", um "Celeiro de Bambas", a escola formou grandes capoeiristas, e posteriormente, a contrução de sua escola, a Senzala, situada na vila São Vicente (Marmiteiro), no bairro Padre Eustáquio, em Belo Horizonte, transformando num centro de referência no ensino da Capoeiragem. Em 15/03/1981, convoca seus seguidores em Assembléia Geral para fundação da Associação de Capoeira Cordão de Ouro - Eu Bahia, registrada no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas em Belo Horizonte sob número 60.200. Em 2004, lança seu primeiro CD: "Grão Mestre Dunga - A Lenda Viva da Capoeira", que possui 28 faixas de puro valor folclórico, com angola, banguela, maculelê e puxada de rede.
Em 2006, passou a ser denominada de ABRACCE, Associação Brasileira de Capoeira Cordão de Ouro - Eu Bahia, devido a globalização e crescimento proposto pelos seguidores. Possui diversos núcleos de ensino em Minas Gerais, em academias, escolas e associações.

Abraçados Mestre Joãozinho Angoleiro e Contra-mestre Farofa. Sentado da esq p/ dir Mestre Pelota, Mestre Primo, Grão Mestre Dunga e Professor Guto

  A história da capoeira mineira está praticamente armazenada no conhecimento e experiência dos antigos mestres do Estado. A capoeira de Minas, a partir dos anos 60, é um reflexo da vida de cada um desses mestres. Com base no depoimento (entrevistas) deles foi descrita a história da capoeira mineira desde o início até os dias de hoje.
Em meados da década de 60, a capoeira de Minas era marginalizada, não era concentrada em academias ou em aulas, tudo que se via e que se aprendia era em “ajuntamentos”, rodas nos quintais das casas ou nas rodas de rua.
Com a chegada de Toninho Cavalieri à capital mineira, a capoeira foi introduzida na sociedade. Cavalieri começou a dar aulas de capoeira na ACM-Aimorés (Associação Cristã de Moços, na rua Aimorés). Essas aulas tornaram-se um tanto populares, talvez pelo fato de ser o único local em BH onde se via, explicitamente, a capoeira. Na própria ACM foi formado o primeiro grupo de capoeira, denominado Opanijé. O grupo durou dois anos e dele surgiram novos talentos que, mais tarde, vieram a se formar professores e mestres da capoeiragem.
"Um mês depois de me mudar para Belo Horizonte, em 1963, comecei a dar aulas na ACM-Aimorés. Fui lá conversar e eles acharam que seria interessante um curso de capoeira.”(mestre Cavalieri).
                   
“(...)foi assim que comecei nesse grupo que foi o primeiro em Minas Gerais em 69, chamava Opanijé, que começou com Cavaliere na ACM, de onde apareceu o Jacaré e mais outros mestres.”(mestre 90).
                   
  Com as aulas de Cavalieri na ACM, outros capoeiristas, que já davam aula ou não, começaram a aparecer para a sociedade e fortalecer a capoeira de Minas. Mesmo com a capoeira crescendo dentro da sociedade, a maioria dos seus praticantes vinham das classes baixas de Belo Horizonte e enfrentavam muitas dificuldades para treinar e para sobreviver. Muitos tinham que trabalhar para se sustentar, tendo até que se afastar um pouco da capoeira. O cenário político do País também não contribuía para o crescimento da capoeira. Era ditadura militar e muitos capoeiristas foram perseguidos e presos, as rodas de rua eram proibidas. Brigas entre a ACM-Aimorés e a ACM da Serra foram outros problemas que fizeram a capoeira se dispersar e alguns mestres pararem com a capoeira.
“A capoeira era marginalizada, vista como luta de marginais porque só a classe mais baixa que costumava jogar mesmo, inclusive até as famílias não gostavam, nós não conseguíamos falar em casa que éramos capoeiristas, procurávamos esconder isso dos pais.”(mestre Gaio).
“Ah eu já fui torneiro mecânico, pedreiro, eu era peão de obra, já fui jardineiro, cozinheiro, estava sempre fazendo uns bicos aqui e ali, já fui para o exército também em 71. Fiz vários filmes, teatros, eu tinha um grupo que fazia apresentações culturais, folclóricas.”(mestre Negão).
“Antigamente também era difícil porque a negrada descia do morro pra cidade pra jogar capoeira, e era proibido, tinha que ficar uns 4 nas esquinas vigiando, porque se a polícia chegasse prendia todo mundo, documento era carteira assinada, se num tivesse ia preso.”(mestre Negão).
“Na época da ditadura, em que fui cassado por causa da capoeira. Fui preso pelo Exército e Polícia Militar, na Praça Sete.”(mestre Dunga).
  “Havia uma ACM na Serra, onde o pessoal do cafezal começou a arranjar briga com os meus alunos. Não incentivo meus alunos a baterem, mas também não queria que eles apanhassem. Por isso depois de uma conversa com o diretor da academia, resolvi sair.”(mestre Cavalieri).
Mesmo com muita dificuldade, alguns capoeiristas continuaram a insistir na consolidação da capoeira e fizeram de tudo para continuar com ela. Havia, inclusive, manuais que ensinavam os primeiros passos para a prática da capoeiragem. Os capoeiristas tinham que ser autodidatas, unidos e amigos, para formarem grupos de capoeira e divulgarem essa arte.
Mestre Jacaré, aluno de Cavalieri, montou no quintal de sua casa um espaço onde pudesse dar aulas de capoeira, já que ele e Cavalieri abandonaram a ACM devido às brigas. Pode-se dizer que a primeira de encontro de capoeiristas começou no “terreiro do Jacaré”.
“Que eu saiba, as rodas começaram lá na casa do Jacaré, que era roda quente, aí depois que foi pra feira.”(mestre Gaio).
“E toda segunda feira nós íamos para casa do doutor Luiz Mário Ladeira, o Mestre Jacaré.”(mestre Negão).
(Biba e Negão na Praça Sete em 73)
 
(Dunga e Negão na Praça da Liberdade em 73)
  Começou a surgir a roda de capoeira na Praça da Liberdade. Há quem diga que a “feira hippie” só começou por causa das rodas, pois lá se aglomerava uma grande quantidade de pessoas que vinham assistir. Isso atraiu os artesãos, que aproveitavam o encontro dos capoeiristas aos domingos para ganharem algum dinheiro, formando a “feira hippie”. Em contra partida, existem aqueles que dizem ter a roda começado por causa da feira.
                   
  “O Macaco diz que a feira começou com a roda de capoeira que era feita pelo Ique, Azulão, Waltinho, Luiz, aí chega um vendendo picolé, o outro vendendo sanduíche, aí começou a feira. Mas o Luiz fala que já tinha a feira.”. (mestre 90).
“A roda atraía muita gente, então as pessoas aproveitaram para ganhar o seu, vendendo um picolé ali, uma pipoca aqui, então começaram a surgir umas barraquinhas, e assim surgiu a feira hippie.”(mestre Dunga).

"Toda manhã de domingo vou pra roda de capoeira
Eu levanto cedo, vou pra roda de capoeira
Toda manhã de domingo vou pra roda de capoeira
Eu benzo o meu corpo, vou pra roda de capoeira
Toda manhã de domingo vou pra roda de capoeira
Pego meu berimbau, vou pra roda de capoeira
Toda manhã de domingo vou pra roda de capoeira
Lá na feira hippie tem roda de capoeira..."

(música de Mestre Dunga cantada durante a entrevista)

 Com a roda da Praça da Liberdade nas manhãs de domingo, veio a roda da Praça Sete à tarde. A roda não parava, a energia era total o dia inteiro, a roda só acabava à noite. Mestre Negão, Mestre Dunga, Chocolate, Farofa...organizavam as rodas. Os capoeiristas levantavam algum dinheiro e, quando a roda acabava, davam o dinheiro da passagem para aqueles que necessitavam e depois iam para o bar do Chinês se refestelar nos comes e bebes.
                   
(Negão no início da roda do Coreto da Praça da Liberdade em 73)
  “Nós que organizávamos a roda, eu sempre fui o orador da roda, sempre fui o falante, era eu que sempre falava, era eu que pedia o dinheiro rodando o chapéu, e ganhava algum, aí a gente dividia o dinheiro, saia dali  ia para o Prato Fundo comer, tinha dia que ganhava muito, tinha dia que num ganhava nada...” (mestre Negão).
“Eu sempre fui o líder. Todo mundo de fora que chegava ali tinha que jogar bonito tinha que mostrar habilidade. Eu era o caixa, recebia o dinheiro numa sacolinha e ia para o Chinês. E para uns capoeiras dava o distribuía o dinheiro da passagem para irem embora.” (mestre Dunga).
                   
  Junto com essa tradição cresceu a capoeira que foi formando grandes dimensões, sendo ensinada pelos mestres formados nessa época. Em meados da década de 80 a 82, a capoeira teve um momento de explosão, em que começaram a surgir várias academias dispersas, foi então que adquiriu mais respeito e mais adeptos, inclusive da classe alta, o que gerou o aparecimento de oportunistas interessados apenas no dinheiro.
Paralelamente, vários mestres e professores começaram a formar grupos e academias com a missão de repassar a verdadeira arte da capoeira, para que a cultura não morresse. Jacaré, Negão, Dunga, Luiz Mineiro, Paulão e Mão Branca (que foi aluno de Jacaré) deram continuidade ao difícil trabalho de divulgação e expansão da capoeira. Graças a esses e tantos outros, hoje é comum ver academias e grupos bem estruturados por todos os cantos de Minas Gerais.
(Dunga e Negão na Praça da Liberdade em 73)
                   
Capoeira Contemporânea de Minas Gerais
                   
  O trabalho dos antigos mestres de Minas, entre eles Jacaré, Paulão, Cavalieri, Negão, Dunga, Boca, Macaco... e dos mestres que chegavam em Minas, como Mão Branca (que foi aluno de Jacaré e de Gigante), teve como resultado o surgimento de várias academias e grupos espalhados por todo território mineiro e a concretização da capoeira que se vê hoje em dia.
Com as academias, a capoeira conquistou grande número de adeptos na década de 80 e 90. Homens, mulheres e crianças passaram a dividir o espaço das rodas de capoeira, que começaram a ser bem vistas e admiradas. Não há mais uma roda exclusiva para negros e para pobres, a capoeira passa a ser cultura para todos os brasileiros.
“Quando cheguei da Bahia já tinha algumas academias e eu também cheguei a fazer trabalho em academias, e só depois dessa formação de grupos a capoeira começou a adquirir mais respeito.”(mestre Negão)
                   

“A capoeira é a única que mantém um grande número de misturas e de raças...” (mestre Mão Branca).
  O crescimento de academias e de aulas de capoeira, em contrapartida, trouxe alguns problemas. A capoeira foi se espalhando e conquistando mais espaço, isso fez com que muitos a vissem somente como uma oportunidade de negócio. Grande número de pessoas começou a dar aula de capoeira sem conhecimento da arte, sua origem e sem o reconhecimento dos velhos mestres, deteriorando a imagem da capoeira. Políticos se interessavam pela capoeira apenas em época de eleições, deixando-a de lado quando não mais necessitavam recolher votos. Outro problema, devido ao crescimento de academias, foi as disputas e desavenças entre grupos e mestres, tornando a capoeira violenta e desunida.
“Mas a capoeira começou a gerar um mercado interessante, despertando o interesse de ambas as classes para ensinar capoeira, fazendo com que este mercado se tornasse vítima de uma quantidade muito grande dos sem pingo de qualidade para trabalhar.”(mestre Mão Branca).
“Por que o político gostou sempre da capoeira? Porque não gasta nada. Ela pode ser praticada em qualquer lugar, além de ser um show gratuito, inclusive para os próprios políticos. Por isso não gosto deles, só lembram de nós quando querem se promover.”(mestre Cavalieri).
 
  No final dos anos 80 foi fundada a Federação Mineira de Capoeira (FMC), tendo como presidente (na época) e um dos fundadores mestre Mão Branca. A FMC foi criada com a preocupação de regulamentar a capoeira e defender os capoeiristas. Devido a dificuldades, a FMC passou maus momentos e não conseguiu atingir seus objetivos. Mas hoje, em pleno século XXI, a FMC, com novos integrantes, tenta recuperar a proposta. Passa a ter um novo ideal, preocupando em profissionalizá-la, regulamentá-la, agindo como um conselho que possa discutir os rumos da capoeira (para que não aconteça, como aconteceu nas décadas passadas, um crescimento desregulado), promover eventos e campeonatos, cuidar do atleta, criar projetos educativos, manter a história da capoeira, entre outras.
  “A Federação Mineira de Capoeira é um órgão que tem o objetivo de trabalhar pela capoeira, incentivando e defendendo os interesses daqueles que vivem dela..”(mestre Antônio Dias, vice presidente da FMC)
 Com isso, a capoeira cresce em todas as suas abrangências. Ela amplia seu lado esportivo, a exemplo de competições como o JIMI (Jogos do Interior de Minas), que tem a capoeira como um dos esportes com maior número de participantes se destacando com notável desempenho. Cresce como arte, quando divide o espaço em grandes apresentações, junto ao circo, à dança, ao teatro, à musica. Cresce em profissionalismo, quando consegue promover eventos e encontros cheios de atrações e antigos mestres de capoeira de todo o Brasil (podendo ter duração de uma semana ou mais). Cresce como educadora, uma das suas principais funções, tirando meninos da rua, ensinando a convivência entre diferentes classes, promovendo shows em escolas, trabalhando com deficientes físicos e idosos. E cresce como formadora de identidade da cultura Brasil, espalhando-se pelo País e por vários outros continentes.
                   
                   
  “A capoeira é ampla, o lado competitivo é só mais uma face dela.”(mestre Antônio Dias).
“A capoeira é um instrumento de educação e inclusão social, educar é a principal função da capoeira hoje. Reverter o desequilíbrio social, corrigindo as injustiças, a capoeira age dessa forma. O Mestre de Capoeira é um educador.”(mestre Antônio Dias).
“Cuidado com as drogas! Estuda porque o capoeira analfabeto é explorado pela sociedade.”(mestre Dunga alertando os capoeiras que estão começando)
“A capoeira está na cabeça, na malícia, no sentimento”(mestre Dunga)
“A capoeira é a única que mantém um grande número de misturas e raças”(mestre Mão Branca)
                   
  Atualmente a Capoeira de Minas vive um momento de maturidade e forte crescimento, com o surgimento da Federação de Capoeira do Estado de Minas Gerais, a FECAP-MG, muitos capoeiristas que não se encontravam ou não se relacionavam estão se reaproximando; encontros, reuniões, fóruns e debates estão sendo realizados, a participação dos órgãos públicos em projetos sociais e culturais vem aumentando, a consolidação da Capoeira como instrumento de Educação e Inclusão social é inquestionável e finalmente o reconhecimento nacional como Patrimônio Cultural Brasileiro tornaram a Capoeira Mineira, de acordo com levantamentos preliminares do Ministério da Cultura como um dos Estados com o maior número de praticantes do país.